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CAVALO DE TRÓIA - O Centenário invisível de Délio

  • 18 de abr.
  • 9 min de leitura

por Rodrigo Teixeira @rodtex


Hoje, 18 de abril de 2025, comemora-se o centenário de nascimento do compositor símbolo de Mato Grosso do Sul. Ele nasceu José Pompeu, mas ficou conhecido mesmo como Délio. É o compositor de MS com maior número de fonogramas gravados, são mais de 270. O talentoso Délio construiu uma das carreiras mais populares da música sul-mato-grossense e assinou os primeiros sucessos do ainda Sul do Mato Grosso Uno. Chamado de Zezinho devido ao seu nome de batismo (José), ele virou Délio por causa da sua prima Delanira, nove anos mais moça, e que tinha o apelido de Delinha.


Os dois se reencontram em 1956. Zezinho ensina a prima a tocar violão. Começa a conceder a ela a parceria em músicas que ele compõe praticamente sozinho. Orienta a maneira certa de cantar em dueto. Empolgado com o talento da prima, eles formam um trio com a amiga Vanir e pouco tempo depois já são o Duo Pintassilgo e estão casados. Delinha aprende rápido, demonstra na prática um talento incrível e os dois cantando juntos soam perfeitos. Quando chegam em São Paulo em 1958, o radialista Capitão Barduíno acaba criando para Zezinho o nome Délio após escutar o apelido da parceira Delanira, a Delinha. E assim, praticamente ao vivo na Rádio Bandeirantes, nasce o nome da dupla. Délio e Delinha foram os primeiros artistas populares de Mato Grosso do Sul e possuem uma coleção de hits que começa a ser registrada na virada dos anos 1950 e sete décadas depois ainda estão na boca do povo.


O COMEÇO: José Pompeu, Delanira e a amiga Vanir formaram o trio Duas Damas e Um Valete em 1956
O COMEÇO: José Pompeu, Delanira e a amiga Vanir formaram o trio Duas Damas e Um Valete em 1956

Mesmo assim, o centenário de Délio passa despercebido por inúmeros órgãos governamentais, importantes veículos da imprensa, conceituados blogueiros, ilustres senadores, deputados e vereadores "amigos da cultura" e ilibadas associações e entidades culturais da capital e interior de Mato Grosso do Sul (e por quê não dizer também professores cults e a própria classe artística engajada!). É lamentável e surpreendente que um dos filhos mais ilustres de Maracaju (ele nasceu em Vista Alegre, distrito de Maracaju), centro da "fazendeirama" e do agronegócio do Estado de MS, não tenha ganhado nenhuma homenagem de seus conterrâneos. Délio dedica à cidade a música "Maracaju", que abre o lado B do LP "Sorte, Amor e Canção", lançado em 1964. Na verdade, na discografia de Délio e Delinha são inúmeras as composições homenagens a diversas cidades do então Sul de Mato Grosso Uno, como Coxim, Jardim, Guia Lopes, Bela Vista, Rio Verde, Rio Brilhante, Nova Andradina, Bonito e Aquidauana. Além disso, composições como "Prazer de Fazendeiro", de 1966, e "Criador de Gado Bom", de 1968, são verdadeiros tratados sociológicos sobre os costumes, ambições e manias do ser sul-mato-grossense. Também é importante ressaltar que Délio é quem praticamente sedimentou o chamado "rasqueado", gênero que surge nos anos 1940 e que foi a base da maioria das composições e sucessos de Délio e Delinha.


Mas a falta de reconhecimento de personalidades pioneiras do Estado é generalizada e expõe a inexistência de uma política cultural e a maneira displicente de tratar a memória e artistas que ajudaram a forjar a identidade da chamada "cultura sul-mato-grossense". A "valorização da identidade cultural sul-mato-grossense" é uma espécie de "cavalo de Tróia" usado para justificar contratações por inexigibilidade, supervalorizar ações culturais, vencer concorrências e editais, captar recursos e receber emendas parlamentares. No entanto, é evidentemente pouco fomentada e valorizada na programação e quase invisível na divulgação de eventos bancados pelo dinheiro público. A situação da geração de artistas pioneiros de Mato Grosso do Sul (e a preservação de suas obras) é de abandono e esquecimento. Com Délio, infelizmente, não é diferente. 


É por isso que o blog Matula Cultural faz esta homenagem no dia de hoje para Délio, não deixando passar no esquecimento os 100 anos de nascimento do compositor que retratou como ninguém a sociedade sul-mato-grossense do século XX. É preciso revelar que Délio nasceu, na verdade, no dia 18 de março, mas como era comum antigamente, só foi batizado um mês depois. O próprio Délio comemorava seu aniversário em 18 de abril e, por isso, mantemos a homenagem ao ariano de coração no dia que ele próprio escolheu como data de seu nascimento. Parabéns!!!



Vamos relembrar estão um pouco da biografia de José Pompeu, o Délio! 


Filho de Vista Alegre, distrito de Maracaju, nasceu em 18 de março de 1925, partindo de sua cidade natal para a cidade grande. No final dos anos 1940 e início dos 1950, José Pompeu já tentava a vida em São Paulo. Trabalhava na empresa de energia elétrica paulistana como eletricista e nas horas vagas já tentava conquistar algum espaço como músico em Sampa. Insistente, conseguiu atingir seu objetivo e tornar-se uma lenda da música de MS, ultrapassando a marca de 270 fonogramas, uma das maiores produções autorais de Mato Grosso do Sul. 


Personalidade forte é pouco para definir Délio. Durante a sua trajetória na música, que durou pouco mais de meio século, o cantor e compositor sul-mato-grossense deixou muitas histórias pitorescas. Mesmo antes de começar a fazer sucesso, o jovem já andava de terno. Sempre alinhadíssimo. Isso aconteceu até os seus momentos finais, quando foi vestido com um terno branco impecável. Era vaidoso, com certeza, e seus fãs gostavam de sua postura e esperavam a elegância com que se vestia. 


Seu temperamento também era explosivo. Contratado para produzir seus discos na Gravadora Califórnia – começou com um 78 rotações em 1959 - o músico não demorou para “bater de frente” com o sanfoneiro da casa: o já famoso Caçulinha, que depois viria a se tornar ainda mais popular por participar do “Domingão do Faustão”. Em um “arranca-rabo” com Caçulinha, que chegou a gravar o primeiro long play da dupla em 1961 “Prenda Minha”, Délio decretou no meio do estúdio: “Aqui é eu ou ele”. Délio ficou por mais duas décadas na gravadora de Mário Vieira e Caçulinha nunca mais participou dos discos da dupla. 


O LP lançado em 1968 foi um dos mais populares da dupla e tem a participação do estreante Zé Corrêa
O LP lançado em 1968 foi um dos mais populares da dupla e tem a participação do estreante Zé Corrêa

Em 1968, Délio também surpreendeu Mário Vieira, o dono da Gravadora Califórnia, ao chegar para gravar o disco “Gosto Tanto de Você” com um desconhecido acordeonista a tiracolo. Indagado pelo empresário sobre quem era aquele músico que ele tinha levado sem avisar, e que poderia atrasar a gravação, Délio respondeu de pronto: “Este é o meu sanfoneiro que trouxe do Mato Grosso. E ele já está ensaiado”. O músico em questão era Zé Corrêa, que depois iria gravar vários discos pela gravadora e conquistar Mário Vieira para todo o sempre. 


O sucesso “Prazer de Fazendeiro”, que transformou este disco de 1968 em um dos mais vendidos da dupla, também foi feito bem da maneira de Délio. Participando de uma exposição agropecuária, em que estava presente Geraldo Corrêa, um dos mais famosos criadores de gado do Estado, Délio ganhou um bezerro do pecuarista e não resistiu: “Você me deu o que tinha e agora eu vou fazer algo que não tenho para você”. No outro dia, Délio mostrava para Geraldo a música em sua homenagem: “Prazer de Fazendeiro”. 


ESCUTE "PRAZER DE FAZENDEIRO":


"Prazer de Fazendeiro", um dos hits da dupla que descreve o modo de ser do sul de Mato Grosso no final dos anos 1960.

Uma passagem que mostra bem o porquê de Délio ter sido um dos grandes artistas de todos os tempos de Mato Grosso do Sul tem a ver com Tonico e Tinoco. Nas décadas de 40 e 50, eles eram disparados os artistas mais famosos do Brasil. Em 1961, eles rodaram o primeiro longa-metragem da carreira chamado “Lá No Meu Sertão”. Na trilha sonora, foi incluída a música “Triste Verdade”, que Biguazinha, filha do famoso radialista Biguá, gravou de forma instrumental. 


Procurado pela produção do filme para liberar a música para a trilha sonora, algo que todo artista da época gostaria, Délio foi taxativo em afirmar que não liberaria de graça. O músico bateu o pé durante meses, até que foi procurado por um poderoso ligado à gravadora de Tonico e Tinoco. “Por que você está segurando o filme?”. A resposta: “Eu não estou segurando, só quero meus direitos autorais”. Logo em seguida, Délio recebeu uma bolada de dinheiro, que tirou Delinha e ele do grande sufoco que passavam em São Paulo. Este foi Délio, o eterno sol da música sul-mato-grossense.


Délio morreu de câncer aos 84 anos
Délio morreu de câncer aos 84 anos

O músico sul-mato-grossense José Pompeu, o Délio, morreu em 8 de fevereiro de 2010, por volta das 16 horas, em Campo Grande. Ele estava internado há duas semanas no Hospital do Câncer Alfredo Abrahão da Capital para tratar de um câncer no pulmão que o deixou debilitado há quatro anos. Junto a Delinha, ele formou a dupla mais duradoura e famosa do Estado desde 1957. O velório de Délio aconteceu no dia seguinte no Plenário da Câmara Municipal, quando o corpo seguiu para o sepultamento no cemitério Jardim da Paz, saída para Sidrolândia. 


Um câncer no pulmão calou a voz de José Pompeu, o Délio. O patrono da música de Mato Grosso do Sul lutou contra a doença por quatro anos e em duas semanas sua saúde voltou a piorar. Ele estava internado no Hospital do Câncer Alfredo Abrahão. O velório do músico começou às 22 horas no Plenário da Câmara Municipal de Campo Grande e estava programado para seguir até a tarde do dia seguinte. O sepultamento do corpo do compositor foi no Cemitério Jardim da Paz. “O meu pai finalmente descansou, pois estava sofrendo bastante com a doença”, disse o músico João Paulo, filho de Délio e Delinha. 


Mesmo doente, Délio conseguiu gravar em 2007 o DVD em comemoração aos 50 anos de Délio e Delinha, o último produto oficial lançado pela dupla que começou a carreira em 1957. Conhecido como o “Zé do Bordão”, por ser virtuose no violão, José Pompeu se transformou em Délio logo que chegou a São Paulo com a esposa Delanira Pereira Gonçalves, a Delinha, em 1958. Os dois tinham ido tentar a sorte em São Paulo ainda como Duo Pintassilgo, mas o famoso radialista Capitão Barduíno, da Rádio Bandeirantes, decidiu rebatizar a dupla com um nome mais comercial. Assim surgiu Délio e Delinha, a dupla sertaneja pioneira de Mato Grosso do Sul que depois ficou conhecida como o “Casal de Onça de Mato Grosso”, título também criado por Barduíno


Último lançamento da dupla foi o DVD gravado ao vivo em Campo Grande em 2007
Último lançamento da dupla foi o DVD gravado ao vivo em Campo Grande em 2007

Délio nasceu em Vista Alegre, distrito de Maracaju, em 18 de março de 1925. Descendente de mineiros, ele veio morar na Capital aos dois anos. Chegou a trabalhar em fazendas da região, mas no começo dos anos 50 já havia morado em São Paulo, onde trabalhou na companhia de iluminação pública de São Paulo. Ele voltou para Campo Grande em 1956, quando voltou a encontrar a prima Delinha. Os dois só haviam se visto quando ela tinha por volta de 10 anos. Encantado com o talento de Delinha para a música, começaram a cantar de brincadeira, mas logo já estavam se apresentando na Rádio PRI-7. Os dois se casaram em fevereiro de 1958 e logo depois foram tentar a sorte em São Paulo. 


Depois de gravarem o primeiro LP de 78 rotações pela Gravadora Califórnia - com as músicas “Malvada” e “Cidades Irmãs” -, acabaram emplacando vários sucessos nas rádios do Centro-Oeste. Entre as músicas mais famosas estão “Triste Verdade”, “Prenda Querida”, “Morena Fingida”, “Prazer de Fazendeiro”, “Criador de Gado Bom” e “Vem Chorando Mais Vem”. Délio separou-se de Delinha em 1976. A dupla voltou em 1981, quando emplacou o último sucesso “O Sol e A Lua”, e retornou na década de 1990. Em junho de 2007, em comemoração aos 50 anos de carreira, a dupla gravou o primeiro e único DVD. A última apresentação foi em 31 de março de 2009, na cidade de Inocência.


Um dos últimos registros de José Pompeu, o eterno Délio
Um dos últimos registros de José Pompeu, o eterno Délio

“Meu pai deixou um legado para a música sul-mato-grossense e é por meio disso que ele será materializado. Pelas canções. Foi ele quem me deu incentivo para ser músico e fica em mim toda a força de vontade dele. Ele nunca se entregou”, ressaltou o filho João Paulo Pompeu, de 40 anos. Apesar da tristeza, ele não esconde que o pai vinha sofrendo com a doença. “Meu pai descansou”, disse, emocionado. “Fica muita saudade e lembranças. Paro para pensar e me dou conta que perdi meu parceiro de cantar”, confessa Delinha. 


Délio estava morando no Conjunto José Abraão, bairro da Capital na saída para Rochedo, e em novembro de 2009 foi realizado um grande show para ajudar no tratamento de saúde do músico. A sua companheira era a esposa Olanda Roque, com quem teve os filhos Tatiane e Veiber. O músico ainda teve mais dois filhos do primeiro casamento, antes de Delinha.


Délio já não tinha condições físicas de suportar o desgaste de um show. Olanda acompanhou de perto a luta do companheiro Délio contra o câncer. “Tive muita emoções ao lado do Délio. Ele me trouxe muitas alegrias. Meu coração está muito triste. Ele descobriu a doença em 1999, era na bexiga. Em 2005, surgiu o problema no pulmão. De 2006 para cá não tivemos trégua e ele estava sofrendo muito com a debilitação do corpo”, lembra dona Olanda, na época com 54 anos. Ela estava casada com Délio há 32 anos.


Passaram-se 15 anos do falecimento de Délio e hoje completa-se 100 anos de seu nascimento. É sintomático que o Centenário de um dos compositores mais populares e marcantes da música sul-mato-grossense não tenha sido lembrado devidamente e escancara a maneira frívola, rasa e desatenta com que a pauta "memória" vem sendo tratada de maneira geral. Centenários não se perdem!


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